9.7.07

O imigrante bebê

Havia prometido há dois posts que contaria um pouco mais sobre a entrevista que dei para um autor Canadense que está escrevendo um guia para Newcomers – como são conhecidos os imigrantes com até 3 anos de vida no Canadá – e que será publicado pela Oxford.

Ao deparar-me, em minha leitura diária dos jornais de Toronto, com o último artigo da série do Toronto Star sobre estratégias de políticas de imigração, lembrei-me da longa conversa que tive com o autor do livro a ser lançado e que foi desencadeada pela seguinte pergunta que ele me fez – “Qual o conselho você daria para o candidato à imigração que está em seu país de origem se preparando para chegar?”

Ainda brinquei repetindo o velho e sábio dito popular: “Se conselho fosse bom não daríamos, venderíamos” e fui mais longe ainda lembrando-o que conselho é uma forma de nostalgia então não costumo dar a não ser quando requisitada. Era o caso, ele realmente queria ouvir o que eu tinha para falar. Ok, então senta que lá vem história!

Claro que não posso falar por todos os imigrantes do mundo que chegam das mais diversas nacionalidades e costumes, nem tão pouco – na maioria dos assuntos - por todos os Brasileiros que chegam pois apesar de termos crescido na mesma cultura trazemos conosco percepções, experiências e consequentemente diferentes valores perante à vida. Entretanto, duas coisas eu digo que para nós Brasileiros – especialmente aqueles que chegam e são da área de Humanas – duas coisas chocam bastante no começo, ao menos para mim chocaram e foram difíceis de administrar: ser tratado quase o tempo todo como criança/bebê e ter que trabalhar de graça para “provar” que você tem “experiência” na área em questão que você está querendo atuar por aqui.

Antes que os meus queridos e especiais leitores me lembrem que trabalhar de graça não é o fim do mundo e que muitos já fizeram estágios gratuítos no Brasil enquanto estavam na faculdade, vou logo me adiantando que trata-se de algo totalmente diferente! A relação é outra, a sua situação é outra e muito mais delicada! E sim, há várias situações desta durante a faculdade no Brasil – o que faz todo sentido pois você realmente não tem a experiência em questão – aqui não é exceção, é regra. Então, ou você entra no sistema ou você entra no sistema para ganhar a Canadian Experience. Se esta é a melhor maneira de receber o imigrante “qualificado”? Como eles gostam de dizer aqui – DEBATABLE!

Entretanto, como o foco deste post não é o trabalho gratuíto e nem muito menos ir contra o sistema (afe, que coisa de adolescente revoltado..rsrs) até porque eu fiz tudo direitinho como precisa ser feito e bem gradativamente já estou colhendo resultados decorrentes dele, mas sim responder a pergunta do autor Canadense e dividir com vocês qual foi a minha resposta, aí vai.

Anota aí moço, dizia eu, os muitos guias que tenho visto no mercado direcionados para este público perdem muito tempo com questões muito básicas e quase que sem relevância – se comparadas às reais dificuldades enfrentadas no começo – como por exemplo dizer que o Canadá é um país muito frio e isso pode ser um problema para a adaptação dos imigrantes que chegam de países onde não há o frio do Canadá!!!!!!! E como diz a minha mais nova e divertidíssima amiga Katiane, com aquelas dicas super ultra mega úteis do tipo “Olha meu bem, traz um casaquinho porque aqui faz frio viu?”

HELLOOOO!!! O ser humano que planeja uma mudança de vida tão drástica como esta há de saber a posição geográfica do Canadá e as consequências climáticas disso! AFE! Não que não haja necessidade de colocar este tipo de informação nestes guias, mas o assunto é tratado como se fosse o principal entrave para nós que aqui chegamos quando na realidade o buraco é bem mais embaixo.

Quando será que os guias, instituições e até mesmo as palestras dos orgãos oficiais que são dadas mundo afora “convidando” a galera para imigrar, vão começar a tratar de assuntos um pouco mais sérios e que seriam de extrema valia para quem está se preparando para um movimento tão importante e sério de suas vidas?

É simples, é só começar a explicar como funcionam os Co-ops, que se quando você chegar a sua área não estiver em tanta demanda assim o sistema que você certamente seguirá para entrar no mercado é este, etc e tal...E que, mesmo com demanda (eu mesmo vejo vaga na minha área toda semana) quando você (nós da área de humanas) chega você precisará sim colocar no seu currículo a “Canadian experience” independente de sua experiência anterior, onde você trabalhou, estudou e se o que você fazia no seu país de origem é tão universal que é feito exatamente da mesma maneira aqui (meu caso) e mesmo assim você, caro imigrante, vai precisar da Canadian experience (vulgo trabalho de graça, etc e tal). É isso!

Outro coisa muito comum por todos os lugares onde você passa desde que chega, é o equívoco gigante em confundir o estatus de novo no país (newcomer) com novo na vida! Há uma importante e grande diferença nisso. Daí a minha resposta para o autor do novo guia ter sido esta. Meu conselho? Esteja consciente de que você, no começo, será tratado como um bebê e muitas vocês se sentirá um acéfalo, além de precisar entrar no sistema "Canadian experience" que envolve alguns sacrifícios emocionais.

No meu caso, maravilha porque quando saímos do Brasil já sabíamos que eu demoraria bem mais para ter uma renda por aqui (isso na minha área porque trabalho é o que não falta e fome ninguém passa neste país!) e o maridão conseguiria trabalho na área dele (Engenheiro de Telecomunicações) nos 3 primeiros meses e foi exatamente o que aconteceu!

Agora estou escrevendo isso e tocando neste assunto porque fico pensando nas pessoas que - ou vem sozinhas e são da área de humanas ou o casal mesmo mas que , ao invés de ser como o nosso caso, ambos estariam na minha situação. E aí? Claro que sabendo disso tudo antes lá do país de origem daria a estas pessoas muito mais preparo para a “bucha” inicial. E, ao contrário do que muitos podem pensar, isso não faria aqueles que realmente querem lutar por uma nova vida aqui desisitirem do sonho. Ao contrário, ganhariam os imigrantes, a sociedade Canadense que teria os mesmos economicamente ativos em um tempo mais curto. E aqueles que desistissem seria porque realmente chegaram a conclusão que não teriam forças emocional e financeira suficiente para aguentar o tranco. À isso chamo serviço público.

Daí a minha resposta ao autor – Parem de tratar o imigrante como se ele fosse bebê e coloquem nos guias o sistema dos co-ops e da Canadian experience. Se ele vai me ouvir e publicar? Não sei, o que sei é que fiz a minha parte. Ele perguntou e fiz a análise e o próprio ainda finalizou a entrevista dizendo: "Sabe, só hoje você é a terceira que menciona a mesma coisa! Preciso pensar seriamente neste assunto". Eu pensei – mas claro que não disse – AH VÁ!!

Boa semana á todos!

7 comentários:

Anônimo disse...

Muito boa colocação Paula.
É realmente horrivel essa sensação de que eles nos acham uns imbecis.
Um "causo"
Qdo morei na Australia fui fazer um co-op num cidadezinha 200 km de Sydney. Meu ingles era péssimo e eu procurei localmente uma escola para melhora-lo enquanto passava aqueles dois meses naquela regiao.
Me indicaram uma escola e a diretora me disse que havia uma classe a noite que me serviria. Qdo entrei na classe notei algo estranho e todos sendo tratados como "bebezinhos". Cinco minutos depois percebi que aquela era uma classe de adultos excepcionais. Será que a diretora achou que só porque eu tinha dificuldade em me comunicar eu era "lele da cuca"? É sóda......

Mauro

Dani e Rafa disse...

Oi..
O assunto é polemico!! O que eu já percebi é que para nós que chegamos preparados os Baby Steps são completamente inúteis, porém conheço pessoas (no meu atual emprego) que mesmo com Baby Steps não sai do lugar e não tem a mínima idéia do que está acontecendo no mundo! Eu acho exagerado sim, mas tem tb quem precisa das infos. A melhor maneira seria "peneirar" o pessoal e compartilhar as infos que aquele especifico grupo precisa ao invés de falar tudo para todo mundo.
Beijos

Unknown disse...

Maravilhoso,

Obrigado pelo post (longo, mas enriquecedor). Acompanho (anonimamente) seu Blog (assim como vários outros) há tempos. Entre outros 57 Blogs que assino, este foi um dos posts mais profundos que já li em todos eles. Mostra um pouco da realidade de quem vai chegar, tirando um pouco da ilusão que muitos tem. Parabéns!

Anônimo disse...

Afe, ser tratada como alguém que acabou de sair da faculdade (ou às vezes até pior que isso), principalmente por causa da falta de domínio total do idioma é uó do borogodó!!! Eu tenho sentido isso na pele aqui e, vou te contar, haja paciência!!!
Às vezes dá vontade de falar: Helooo! I'm not stupid! :-S

Mas, mesmo com passinhos de bebês, chegaremos lá... gugu dadá!!

Bjos

Anônimo disse...

Oii...minha,querida!!
Eu, imagino, como deve estar, sendo difícil, para vc, vivenciar, esta situação!Com toda sua independência...iniciativa, determinação...objetividade...ser considerada, dessa forma..( claro, q não só vc..sim )Mas, creio , q sua hora está próxima, pois temos uma referência, aqui, de seu tempo, de Canadá...o fofíssimo Vinicius!!Que agora, já engatinha ( 10 meses)..tal vc!!rsrs....E, daqui, há 2 meses ( 1 aninho, ...andará...)..e vc, filha querida, com certeza, andará, aí, com suas próprias pernas!!Hehe...Desculpe-me,pela narrativa!! Mas, me deu vontade de fazer esse comentário, pois vc tb, é uma das q sempre, cita , Vinícius!!Aguarde...e verás!!!
Beijos..../saudades!!!

Alexandre disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Alexandre disse...
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