25.9.08

Experiência canadense

Em dois anos que estou aqui já ouvi muita gente tentando explicar o inexplicável, justificar o injustificável e até trabalhar muito de graça em busca da famijerada experiência canadense (incluindo a pessoa que vos escreve:). Até aí nada de novo. Estamos aí para o que der, vier e o que não der também.

Estava eu aqui fazendo umas pesquisas para um trabalho do certificado de Corporate Communications que estou fazendo e, eis que me deparo com esta excelente análise sobre a dita cuja, esta mesmo. Não vou repetir o termo pois acredito na proliferação das palavras e se tem um termo que eu desejo que seja quebrado um dia para que os próximos não sofram tanto é este mesmo, este ai...

O fato é que, até então, eu ainda não havia me deparado com uma análise tão bem feita sobre o termo que atormenta grande parte dos imigrantes recém-chegados. É claro que o artigo, publicado no National Post de Julho deste ano, foi escrito por uma imigrante que está aqui e trabalho com imigrantes. Nem poderia ser diferente.

Eu leio muito, e nem tudo que leio me faz pensar - "UAU! queria ter escrito este texto!" Este certamente foi um deles, tanto que resolvi traduzi-lo aqui. 


*Versão em Português do Texto “A Waste of Talent” escrito por Najia Alavi e publicado no National Post de Julho de 2008.

Os imigrantes possuem menos chances de encontrar trabalho no Canadá se comparados com os nascidos no Canadá, mesmo que os mesmos tenham estudado em Universidades Norte Americanas, revelou estudo do Statistics Canada no fim de Julho de 2008. Tudo que eu posso dizer é: Me conte uma novidade.

Ao formular a política de imigração para a economia do Canadá baseada no conhecimento, nosso governo esqueceu que trabalho baseado no conhecimento involve pessoas – pessoas trabalhando com outras pessoas. E a maioria das pessoas prefere trabalhar com outras que se parecem com elas, falam como elas a dividem experiências de vida parecidas.

Isso posto, realmente não importa onde os imigrantes estudaram, ou, quão qualificados os mesmos são. De acordo com outro estudo do Statistics Canada, 51% dos imigrantes recém chegados no Canadá possuem curso universitário completo – índice duas vezes maior que os nascidos no Canadá. Ainda assim, a taxa de desemprego é duas vezes maior entre os imigrantes recém-chegados quando comparada com a população nascida no Canadá.

O que importa para os empregadores Canadenses é se o potencial funcionário “se encaixa” em suas empresas. Em outras palavras, como eles se apresentam, sua aparência, maneira de se vestir, de falar e sobre o que eles falam. Empregadores parecem preferir assuntos tipicamente Canadenses, como neve e casas de veraneio, a assuntos “estrangeiros” como avós que vivem em Karachi. Além disso, arrumar um trabalho frequentemente depende de quem você conhece; imigrantes recém-chegados, “carne nova no pedaço”, sequer conseguem encontrar um médico, então como eles vão ser capazes de localizar uma referência interna para o famoso “Mercado Escondido” (as vagas que nem chegam a ser anunciadas e são preenchidas via “network”)?

Um estudo de 2007, realizado pelo grupo CERIS de Toronto, sobre as atitudes dos empregadores e suas práticas de contratação, mostrou que empregadores confiam muito em seus contatos informais e referências internas para contratar. Empregadores sequer se dão conta de que seguindo estas práticas estão excluindo imigrantes recém-chegados.

Ou, talvez, em alguns casos, a exclusão se faz presente sim. Empregadores frequentemente dizem não contratar imigrantes justificando que os mesmos não possuem “Experiência no Mercado canadense”, incapacidade de se comunicar em Inglês, ou problemas com equivalência de credenciais internacionais. Ainda assim, mesmo imigrantes portadores de diplomas universitários obtidos nos Estados Unidos da América não conseguem encontrar trabalho. Além disso, em uma economia globalizada onde a mão de obra é cada vez mais “móvel” – não tem pátria – o fato de um candidato não possuir “experiência Canadense” deveria ser irrelevante.

Um exemplo: Um empregador diz a um imigrante que está procurando emprego: “Eu entendo que você era um chefe de culinária muito respeitado em um restaurante de Dubai, mas a maneira como preparamos a comida aqui é muito diferente de como vocês preparam lá.” Então eles oferecem ao candidato que de fato é adequado para a vaga de chef, uma posição como lavador de pratos no restaurante, para “ajudá-lo” a adquirir alguma “Experiência canadense”. Por mais ridículo que isso possa parecer, aqueles que como eu trabalham com imigrantes os ajudando a arrumar emprego, ouvimos histórias como estas todos os dias. Nós enviamos os imigrantes para palestras sobre como redigir um currículo Canadense, ensinamos técnicas de entrevistas e habilidades de comunicação no ambiente de trabalho canadense, e ainda assim vemos os mesmos gastarem meses procurando trabalho. Alguns simplesmente desistem.

O Conference Board of Canada estima que se todos os imigrantes estivessem empregados de acordo com suas qualificações e experiências, até $4,97 bilhões poderiam ser adicionados à economia canadense, anualmente. 

Infelizmente, noções ultrapassadas e inseguranças sobre os imigrantes ainda existem. A percepção de que imigrantes prejudicam a sociedade canadense persiste. Esta percepção precisa mudar se quisermos solucionar o problema.

Os imigrantes de hoje são dinâmicos, jovens profissionais altamente educados que vieram para o Canadá por causa de sua abertura, liberdade e respeito aos direitos individuais. Selecionados para entrar no país por meio de um sistema de pontuação de acordo com sua educação, qualificação e experiência, eles corretamente assumem que suas habilidades são necessárias neste pais.

Há demanda para Engenheiros, medicos, enfermeiras, profissionais de finanças e negócios em geral no Canadá. Ainda assim, empregadores continuam seguindo práticas de contratação arcaicas e que excluem os imigrantes, que, no final das contas, os mantém afastados de contratar o candidato mais competente.

A maioria dos imigrantes recém chegados ao Canadá veio de duas das economias que mais crescem no mundo – China e India. É apenas uma questão de tempo antes que eles se cansem de ser mal remunerados, de trabalhar com aquilo que não lhes traz satisfação e não é adequado ao seu perfil, e voltem para seus países de origem, onde suas habilidades e experiências serão bem vindas.

Aí sim, a realidade de escassez de mão de obra no Canada vai realmente se abater por aqui.



3 comentários:

.Mariana.Daniel. disse...

Oi Paula!

Excelente texto! Muito bom pra quem ainda está por aqui e fica sonhando com a terra prometida... rsrs

Eu acho importante que as empresas comecem a adotar práticas de contratação mais profissionais, mas, ao mesmo tempo, o networking é super importante. Será que uma parte dos imigrantes não investe nisso e fica confinada em suas comunidades?

Ah! Parabéns pela tradução. Na verdade, parabéns pela produção, vc está fazendo um trabalho lindo na Brazilian Wave! ;)

O curso que vc está fazendo já lhe ajudou de alguma forma prática a começar a conseguir um trabalho remunerado? Vc fez alguma validação de diploma? Escrevi recentemente sobre isso lá no meu blog, mas ainda não cheguei a uma conclusão quanto às profissões não-regulamentadas...

Bjs,
Mariana

Anônimo disse...

Na minha opinião (e de outros amigos imigrantes aqui em Toronto), experiência canadense nada mais é do que falta de inglês. Com inglês forte, conseguimos sim bons empregos e assim nos integramos a sociedade canadense. Já pensou como um brasileiro iria tratar um canadense com portugues ruim no mercado de trabalho? Claro que a adatação para muitos não é facil e isso pode atrapalhar um pouco, mas com inglês forte, o imigrante não é desmerecido e tão pouco sofre qualquer tipo de discriminação.

Pelo menos é essa a minha experiência de anos no Canada. Boa sorte.

Paulo.

Anônimo disse...

Oi!

Tem um filme no pirate ebay que é um documentário sobre Pierre Bordieu, um famoso sociólogo francês. Neste documentário, ele apresenta muito bem esta situação descrita no artigo que vc traduziu. Aborda que as diferenças sociais não são tão somente devido ao nível de informação de uma pessoa, mas sim este conhecimento tácito, que não é objetivo, mas tem a ver com a forma de sentir melhor com seus pares... Vale a pena ver. Abraços,