13.9.07

Um ano de Canadá

Um ano se passou! E entre aquele instante em que pisei o solo Canadense – dia 14 de setembro de 2006 - e as dez horas de vôo que me separavam dos 31 anos de vida (familia, pessoas, amigos, coisas, cheiros e experiências) deixados para trás, veio a lembrança do bate-papo com o primo Murilo às vésperas do embarque : “Prima, boa viagem e não se esqueça de ir com a xícara vazia!”

O meu querido primo e companheiro de altos papos filosóficos referia-se à uma história zen-budista. Certa vez, o mestre japonês Nan-in concedeu uma audiência a um professor de filosofia. Ao servir o chá, Nan-in encheu a xícara de seu visitante mas continuou despejando sem parar. A certa altura, o professor não se conteve: “Pare, a xícara está mais do que cheia. Nada mais cabe aí”, disse ele. Nan-in respondeu: “Como essa xícara, você também está cheio de opiniões e idéias. Como posso mostrar-lhe o zen sem que antes você esvazie a sua xícara?” Quando nossa “xícara” transborda, perdemos a noção do tamanho real do que temos pela frente.

E este tem sido nosso trabalho constante neste primeiro ano em novas terras – não perder a noção real do que ainda temos pela frente. Após um ano, agradeço a mim mesma por ter tido esta consciência e ter esvaziado a minha “xícara” antes de chegar, pois mesmo tendo feito isso, a riquíssima – enquanto escolha e vontade própria - e emocionalmente desgastante experiência de imigrar nos obriga a quase que constantemente esvaziarmos nossa “xícara”.

Entre a indescritível sensação de prazer pela conquista de um sonho - a chegada - e o restabelecimento do novo “modus vivendi”, borbulham simultâneamente sentimentos complicados de se administrar como medo, insegurança, prazer, contemplação, saudades, riso, choro, angústia e toda a lista de sentimentos que o ser humano conhece em seu mais profundo significado!

Os três primeiros meses que, como o sopro do vento de um furação, te levam para cá e para lá sem nem mesmo perceber a troca de direção. A sensação de liberdade proporcionada pela conquista é tamanha que nem mesmo o melhor dos anestesistas com a droga mais potente do universo conseguiria simular o mesmo efeito. E assim seguem os três próximos meses completando o primeiro semestre da saga. Este é o tempo de duração da potente anestesia.

A partir daí sua razão começa a ser recobrada e o sistema nervoso já dá sinais ao cérebro (ah o cérebro! Este é o que mais sofre neste processo todo, ao menos o meu foi) de que você, durante todos estes primeiros meses foi tratado como bebê e agora já chega à adolescência. Enquanto adolescente em plena ebolição hormonal, chegam as dúvidas e alguns sentimentos de inadequação. Lembram quando éramos muito novos para entrar na festa que mais queríamos ir e, ao mesmo tempo, nos sentíamos muito “velhos” para usar uma roupa cafona info-juvenil que algum parente distante insistia em trazer pro Natal?

Pois é, a festa desejada pode ser, por exemplo, uma vaga de emprego qualquer na sua área de atuação (ou ao menos relacionado à algo que você saiba fazer) e a roupa cafona info-juvenil que você não quer mais usar é uma outra vaga no mercado de trabalho que, embora mais juvenil (vulgo “entry level” ou vaga para estudante, iniciante) também não serve para você porque você é “over qualified”- no caso do adolescente, "muito velho".

Um ano se passou e, embora saibamos que teriamos feito tudo de novo pela simples razão de nossa filosofia de vida ser calcada no fato de vivermos de acordo com os valores que nós acreditamos serem os melhores para nós, torna-se inevitável afirmar que os altos e baixos (neste começo bem mais baixos que altos) para quem escolhe comandar o rumo do barquinho de suas vidas, embora nos ensine muito, cobram um pedágio emocional bem pesado daqueles que optam por este caminho. Assim o é a vida de maneira geral, não apenas para o imigrante não é mesmo? Acontece que em imigrando tudo é elevado à enésima potência!

E para quem esperava um post comemorativo de um ano sobre as vantagens e desvantagens de se viver aqui e fazer o que fizemos, peço desculpas pois apesar de já celebrar a cada minuto as escolhas que fazemos por esta vida, ainda esvazio a minha “xícara” todos os dias para que ela não transborde e eu possa seguir acreditando nos meus sonhos.

E para celebrar nosso Primeiro Ano de Canadá, agradeço o apoio direto e indireto de todos aqueles que passaram e ainda passam pelos nossos caminhos! Também não preciso nem dizer (xi, já comecei a dizer:) ) que este é um depoimento estritamente pessoal baseado meramente no meu histórico de experiências de vida pré e pós imigração e que, portanto, acaba representando também a saga do melhor ser humano do mundo que eu escolhi para seguir em frente comigo e por estar em todas - o meu querido e sempre tão atento e atencioso marido Maurício.

Além de claro, seguir repetindo meus mantras pessoais e dois dos "top ten" saem direto da obra do poeta que, na minha opinião, melhor entendeu a alma humana - Fernando Pessoa:

"Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À PARTE ISSO, TENHO EM MIM TODOS OS SONHOS DO MUNDO" (in Tabacaria)

e
“Cada coisa a seu tempo tem seu tempo. Não florescem no inverno os arvoredos, Nem pela primavera Têm branco frio os campos." (in Cada coisa a seu tempo tem seu tempo).


Sem esquecer é claro do velho e bom "mentor espiritual" Zeca Pagodinho que já dizia -Deixa a vida me levar, vida leva eu ....kkkk E que venham os próximos anos!

20 comentários:

Anônimo disse...

Parabéns pelo texto, Paula. Muito bom mesmo! Além de muito bem escrito, é inspirador para quem ainda está por aqui. Pobres daqueles que acreditam que terão uma vida apenas de sonhos por lá...

Abraços,
Mariana

Anônimo disse...

Parabéns,Paula.É sempre muito bom ler o que vc escreve,te acompanho e afirmo esse texto foi o que mais me tocou!!!Estou aqui torcendo por vc e pelo Maurício.Como boa sagitáriana( vc tbém o é), sou muito otimista e creio muito em Deus. Bjs. Vera Mano ( mãe de sua gde amiga Cris Mano)

Anônimo disse...

Sem...palavras!Emocionante!
Um texto, que, diz plenamente, o que vc é, filha, querida!
Parabéns, Maurício tb e, obrigada, meu querido, por toda essa força!!
E vamos cantar, sim.." deixa a vida me levar....."; pq, as lágrimas, já teimam em descer!
Beijos/ saudades......

Eliane disse...

Um ano de Canadá, são muitas conquistas, que Deus abençoe vcs. Beijos, Eliane.

Familia 4M disse...

Paula/Mauricio
Parab�ns pelo 1 ano de Canad�!!
E que muitos outros ainda venham pela frente!!!!
Beijos

Thelma disse...

Texto brilhante, Paula! E que venham os próximos anos!

Gisela Garcia disse...

Muito interessante essa história da xícara!
Parabéns pelo primeiro ano da sua nova vida!

K disse...

Parabéns pelo primeiro ciclo completado desse sonho. Vou continuar na torcida para que as coisas terminem de se assentar e que esses sentimentos de inadequação sejam apenas lembrança de uma adolescência distante.

Beijo,

Camila.

Dani e Rafa disse...

Parabéns Paula e Maurício!!!!
Que seja o primeiro de muitos.
Sucesso!!!!!

Cris disse...

Parabéns por este ano de muita batalha individual, ajuda aos demais, conquistas, esperanças e otimismo. Um grande abraço.

Ana Celia disse...

Paula, Mauricio,
sem duvida o primeiro ano e' sempre o mais dificil... mas, vcs estao indo super bem... sempre conquistando algo! :)

Parabens!!!

Bjs,

Anônimo disse...

Queridos,

Parabens por essa historia linda que vcs estao escrevendo juntos nessa jornada maluca, porem fantastica que eh a imigracao!!!!

Vamos juntos de coracao aberto, cabeca erguida e xicara vazia!!!

Beijo enorme aos dois!!!!!

Take Care,

Kati

:= disse...

Como se não bastasse o Gean escrever posts que me fazem chorar agora vcs tb entraram nessa?
Parabéns, o texto ficou muito bonito e acho que conseguiu expôr um pouco dessa montanha russa em que se transformam nossos sentimentos ao pisar aqui na terrinha.
Muito sucesso para vocês!
Bjs

Anônimo disse...

KEEP GOING ... acho que já diz tudo, não ?

Beijos,
Liliane & Rafael

Nanny Kyrillos disse...

Oi Paula,
não é a toa que já disse: qdo te conhecer, quero um autógrafo...rs..rs
Adoro acompanhar vcs!
Beijos
Nanny

ReMiGaLu disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
ReMiGaLu disse...

Excelente texto, excelente experiência! Para quem já está arrumando as malas para chegar, não poderia ser mais apropriado.
Abraços,
Renato e Mildred, rumo a Calgary

K disse...

Oie!

O que eu disse dos sobrenomes é só uma impressão que tenho que as famílias aí na Am. do Norte são Mr. and Mrs. "fulanodetal" e que daí ter sobrenomes diferentes poderiam confundir o meio de campo, mas nada de perder direitos ou ter dificuldade com alguma coisa.

Mas agora estou quase certa mesmo de mudar porque parece, apesar de ele não assumir, que isso é realmente importante pro Julio. E eu também vou gostar, apesar de ter crescido dizendo que jamais mudaria meu nome. É, as pessoas mudam :)

Beijos,

K.

disse...

Parabéns Paula e Maurício por esse ano de lutas e conquistas!
Muito sucesso para vocês!
Beijos
Lu

Anônimo disse...

Um ano de Canadá! Quanta coisa vc aprendeu amiga! Quanta experiência de vida... quanta lição vcs dois tem nos feito aprender! Já disse isso muitas vezes aqui no Brasil e continuo dizendo: vcs dois são exemplos de coragem, desprendimento e, principalmente, exemplos de que os sonhos podem sim se concretizar. Mesmo levando tempo, suor, lágrimas... o que vale é a persistência... bjs com sds acumuladas de 365 dias (um pouco menos já que te vi no começo do ano) da amiga Le