Desde a minha chegada à Toronto (há sete meses e meio) muito eu ouvi falar das sensações que envolvem este "mito" de voltar à patria natal pela primeira vez após ter deixado tudo para trás. Mesmo sabendo que cada pessoa reage e expressa-se de maneira diferente dependendo de seu histórico de vida e personalidade - não somente à este "mito" mas em tudo nesta vida - confesso que estava muito curiosa para saber como eu mesma reagiria à toda a experiência.
Didaticamente falando, eu dividiria este caldeirão de emoções que eu senti em três momentos diferentes:
1 - A chegada - negação como forma de proteção e auto-defesa: os primeiros dois dias eu passei em Boituva (onde moram meus pais e toda a minha família. Ali eu nasci, cresci). Apesar de todo o clima caloroso das pessoas mais queridas de minha vida e de toda a agitação em torno do casamento do meu irmão, desde o primeiro dia o meu coração conseguia muito bem separar "pessoas/afeição" de "país/cidade/sistema/instituição" e eu já sentia "Aqui não é mais a minha casa e nem o meu país (apenas nasci aqui, vim visitar pessoas muito queridas e escolhi outro lugar para viver). Fácil não?
Agora que já estou de volta consigo entender que esta relação com a cidade onde cresci e a casa de meus pais não foi difícil para meu coração entender simplesmente porque há mais de 10 anos que lá já se transformara em um local de visita. Eu apenas aumentei a distância que passou de uma hora e meia de carro para 10 horas de vôo. Racionalmente falando é isso. Daí a relativa facilidade.
2 - Os dias em São Paulo com as amigas-irmãs e a paradoxal constatação do óbvio:
São Paulo era a minha casa antes de vir para Toronto (Boituva, meus pais e família eu já os visitava há mais de 10 anos) e aí a porca torceu o rabinho definitivamente. Como posso nutrir uma relação de amor e ódio tão intensa por SP? Aí o meu pobre coraçãozinho lembra-se novamente de separar local/cidade/instituição de pessoas/afeição. Ah tá! Complicou de novo.
A cidade que sempre me incomodou com seu trânsito caótico, poluição exacerbada e - o pior de tudo - endureceu-me ao me "acostumar" com crianças miseráveis vendendo balas no farol, deu-me a oportunidade de escolher e ter sempre comigo o que considero meu maior tesouro - as minhas amigas irmãs! Q
Quem não me conhece, ao me ouvir falar dos amigos pode ter a falsa impressão de que a família para mim não tem importância e eu não tenho carinho por ela. Muito pelo ao contrário.
Entretanto, minha filosofia não me permite colocar grupos tão diferentes em pé de igualdade em minha vida. Meus pais, meu querido irmão e minhas avós são maravilhosos por uma benção divina e me considero privilegiada por isso pois poderia ser muito diferente. Alguém aí já parou para pensar que os pais escolhem ter filhos (pelo menos na maioria dos casos ou em um cenário ideal) mas os filhos nunca escolhem os pais e muito menos irmãos?.
Já os meus amigos eu tive (e seguirei tendo) a satisfação e o prazer em escolhê-los e ser escolhida por isso os tenho em tão especial consideração e esta turminha de Sao Paulo (fiquem tranquilas que vcs estrelarão um post especial- o da comilança de picanha) é tudo!
E vocês vão me perguntar - "E o terceiro momento?" -
Ah! Este ninguém mais ninguém menos que Daniela Zuim - uma das minhas amigas-irmãs - foi a autora (sim este blog cita fontes, especialmente as mais criativas) da melhor analogia que eu já ouvi para tudo isso que senti. Segundo a Dani, no terceiro momento é chegada a hora de lembrar do desenho animado Caverna do Dragão.
A missão da turminha do desenho era a de atravessar a barreira, em forma de portal, entre o mundo do sonho e da realidade (eles sempre chegavam muito perto e por algum motivo não conseguiam) e a primeira preocupação era sempre como voltar para "casa" e a única pessoa capaz de ajudá-los era o Mestre dos Magos.
Pois é Zuim, você brilhantemente resumiu tudo. Todo imigrante ao fazer a primeira visita ao Brasil quer saber como é "atravessar a barreira e voltar". A barreia do "sonho" (Canadá) para a "realidade" (de outrora - Brasil). O que difere é quão forte e preparado está o Mestre dos Magos que cada um tem dentro de si para ajudar na passagem.
E antes que me perguntem - Ainda dá aquele aperto na garganta quando abraçamos as pessoas para voltarmos para cá mas já é bem mais administrável se comparado quando deixamos o país pela primeira vez. Afinal já começamos a construir nossas vidas por aqui mas isso já é assunto para o próximo episódio da série.
3 comentários:
Eu, meu marido e minha filha somos muito só nós três. Moramos em Brasília, mas somos dois desterrados. rs Ele é de Natal e eu nasci em Goiânia e fui muito nova para o Tocantins, que hoje considero a minha terra.
Sempre fui do tipo que vai, não gosto do verbo voltar. A vida anda e a gente tem que "ir" para algum lugar. Achei que era desapegada, até que meus pais resolveram se separar.
Eu já sou bem grandinha e o meu cérebro me disse que a separação era normal, que nada ia mudar, que era preciso tocar a vida para frente. Liguei para o meu pais falando em ações de ordem prática, para variar. Toda adulta, disse a ele que o ideal seria vender a casa onde eles moraram por quase vinte anos e se mudar para um lugar menor. A casa era muito grande para ele, muito gasto... e todas aquelas justificativas racionais.
Ele se negou, disse que aquela era a casa dele. Tudo bem. Achei burrice, mas dei o assunto por encerrado. A pedido da minha mãe eu fui à Palmas conversar com ele sobre a separação e outras coisitas mais.
Foi a primeira vez que eu voltei à minha cidade com a minha filha. Meu quarto estava lá. Igualzinho. Minha foto na parede, o símbolo do botafogo, minhas pelúcias. Tudo como eu deixei quando tinha 18 aninhos. Balancei.
Quando vi a minha filha correndo pela casa, brincando na piscina, deitada no quarto dos meus pais, quarto que eu também gostava tanto de dividir com eles... nossa. Naquele momento eu disse para o meu pai o óbvio: nem tudo se explica, nem tudo é racional. O coração grita e a gente tem mais é que escutá-lo. Naquele momento eu entendi pq meu pai não queria vender a casa. Não importa o que aconteceu nos últimos tempo, aquela não era uma casa. Aquele era o nosso lar.
Acho que eu sempre vou considerar Palmas um porto seguro. Não pretendo voltar para lá, mas é bom saber que a gente tem para onde ir quando quiser sentir aquele cheirinho de casa.
Um abraço,
Carol
obs.: Desculpe o tamanho do comentário. rs Acho que me empolguei.
Amiga Paula, o que mais gosto no seu blog é isso: a possibilidade de matar sds de vcs dois que são e sempre serão muito queridos e a possibilidade de conhecer histórias como esta aí de cima da Carol. Ela disse tudo... é sempre bom saber que a gente tem para onde ir quando quiser sentir aquele cheirinho de casa, de amigos amados, de aconchego... nós por aqui sempre estaremos de braços abertos para abraçar vcs, com os ouvidos sempre prontos para escutar e com as mãos sempre espertas para puxar vcs prá cima... sempre prá cima. Vcs já são de Toronto. Toronto já é de vcs. E a gente tá aqui, milhas e milhas de distância, observando de camarote o quão maravilhoso é ver um sonho se transformar em realidade. Vcs dois nos inspiram amiga! Ah, e eu tô com um saudade daquela picanha!!!!! bjs
Oi Paula,
bem vinda a Toronto....rs.r.s...
Gostei muito do seu post. Acredito que nós, imigrantes, estamos sempre em um turbilhão de emoções e é isso que faz a vida tão maravilhosa!
Bjs
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